O mal ’não pronunciável’ do setor TICImaginando uma agenda digital nacional
Ou seja, se o espectro que atualmente é entregue às operadoras está sendo utilizado em sua totalidade, não há espaço que possa ser utilizado para conectar as novas tecnologias. É por isso que pedidos da sociedade civil e de outros atores do mercado aos governos latino-americanos para acelerar o lançamento do 5G não podem mais faltar nos diálogos relacionados a telecomunicações e tecnologias de informação e comunicação (TIC). Diante das reivindicações do povo, os líderes respondem. Assim, vemos que, por um motivo ou outro, os governos da Argentina, Colômbia, Costa Rica e México já prometeram que cederão, por meio de leilão, espectro de rádio para impulsionar o crescimento da 5G. Para muitos, esses anúncios significam que o problema foi resolvido. A tragédia de cair na pré-história por não ter grande parte da população acessando esses serviços foi resolvida. No entanto, existem vários erros nesse pensamento. Primeiro, o papel dos governos é criar as condições apropriadas para a implantação de novas tecnologias. Em segundo lugar, não são os governos que colocam e comercializam novos serviços como 5G, isso é feito por operadoras de telecomunicações com concessões que lhes permitem oferecer serviços sem fio fixos ou móveis. Quando uma operadora decide comercializar 5G, onde ela passa a colocar essa rede e o cronograma de expansão de sua cobertura depende muito do plano de negócios da empresa. Um plano que tem de cumprir um requisito básico, garantir um retorno positivo do investimento num período de tempo que o operador considere razoável. Essas condições fazem com que os tempos de implantação e venda do serviço 5G varie de operadora para operadora. Por outro lado, existem operadoras que possuem um pouco de espectro que, pelo menos por um período limitado de tempo, podem usar para oferecer 5G. O anterior, sem dispor de tecnologias que auxiliem este tipo de implantação temporária e que permitam às operadoras constituir uma massa crítica de clientes 5G antes de obterem espectro dedicado para o efeito, acelerando assim a recuperação do seu investimento. É por isso que um mercado como o Brasil, que realizou o chamado leilão de 5G em 2021, já comercializava a tecnologia desde 2019. Outro país que usou soluções temporárias enquanto esperava pelas licitações dedicadas à tecnologia são os Estados Unidos. Na América Latina, vimos operadoras da Argentina, Peru e Porto Rico também se beneficiarem de soluções temporárias, ao mesmo tempo em que obtêm blocos de espectro para 5G.
É só espectro?
Até agora tudo parece indicar que a falta de 5G na América Latina se resolve com a atribuição de espectro. Uma visão que não tem em conta o abrandamento econômico que a região atravessa há vários anos nem o impacto que a inflação terá no poder de compra da população. Talvez o melhor indicador seja revisar o que vem acontecendo nos últimos anos para ter uma ideia melhor de como pode ser o futuro dos processos de alocação de espectro na região. O resultado não é patrocínio. Todos os processos recentes de alocação de espectro na América Latina, inclusive no Brasil, Chile, Colômbia, México e República Dominicana, resultaram em bloqueios de espectro que não despertaram o interesse do mercado e em alguns casos a desistência de algum participante, alegando que os custos atrelados ao bloco não se justificam, pois não garantem um retorno positivo do investimento. O adiamento dos processos de licitação na Costa Rica e no Peru serve para reforçar o argumento que mostra operadoras sem a mesma disposição do passado, dispostas a pagar grandes somas pelo pagamento das concessões, cumprimento de requisitos de implantação de infraestrutura ou ambos, dependendo das condições impostas no processo de alocação. Da mesma forma, a decisão de duas operadoras do México de devolver o espectro radioelétrico, uma delas devolvendo tudo o que havia adquirido porque decidiu se tornar uma operadora móvel virtual, evidencia a relutância das operadoras em pagar altos custos pelo espectro radioelétrico. Os anúncios da saída de operadoras do Panamá, juntamente com o anúncio de uma aliança no Chile entre duas empresas de telecomunicações, servem apenas para indicar a urgência que as operadoras estão tendo em reduzir seus custos operacionais. O anterior sem entrar em detalhes sobre o que está acontecendo com o debate sobre a gestão do espectro radioelétrico no Equador, El Salvador ou Uruguai, mercados nos quais diversas operadoras expressaram abertamente seu descontentamento com a situação atual. Tudo indica que os próximos processos de atribuição de espectro, focados em acelerar a expansão da 5G, já anunciados na Argentina, Colômbia, Costa Rica e México, terão que resolver uma realidade desafiadora. Por um lado, encontramos operadoras de telecomunicações que não estão dispostas a pagar valores que possam considerar irrealistas para obter espectro adicional. Por outro lado, os governos precisam de dinheiro para conseguir equilibrar seus orçamentos, o que pode levar direta ou indiretamente a processos de arrecadação. Dizer que um processo não é arrecadação de impostos e depois impor um preço base superior ao que se paga em outras geografias não serve de disfarce, é um processo que visa ganhar dinheiro para o governo. Obviamente, há outros elementos que devem ser considerados, como o modelo de negócio das empresas, o enquadramento fiscal do mercado, o estado das infraestruturas civis e de telecomunicações existentes, o poder de compra da população, a disponibilidade de telefones e a necessidade no curto prazo da empresa privada de rede 5G. Pensar que a chegada de uma tecnologia se limita a um processo de entrega de concessões está errado. Não é lançar 5G, é fazê-la com um plano de negócios específico que justifique o seu lançamento em benefício da sociedade e não como uma quimera mediática sem impacto a curto prazo.